valdeniz NS
Havia um jagunço - conheci de leitura.
Gostava de filosofar. Estava seguro de que pensava com os pensamentos
que floresciam da própria cachola. E se gabava: “Eu sou é eu mesmo, não
pertenço a razão nenhuma, não guardo fé nem faço parte”. Existia outro
sujeito - esse eu conheci de vista própria - que avaliava suas ideias
como boas e acabadas. Não queria misturar ideia nova, ou teria que
pensar sobre coisa já pensada.
Concepções
Se alcancei a um e a outro, ambos
compreendem que viver é perigoso. Mas se vê que guardam diferença entre
si no modo de estar nesse perigo que é a vida. O sujeito que conheci
fechou-se na sua concepção de mundo, e não quer solavancar a existência.
O jagunço lido sabe que “viver é um descuido prosseguido”, “viver é
etcétera”.
Pretextos, respeito...
Nisso assuntava Villa, amigo meu, quando
surgiu Sthefane, amiga dele. Ela logo declara limites: “Está tudo mais
delicado, estabeleci um relacionamento”. Villa, espantado, ponderou: “A
mulher moderna não se inflige restrição, e certos costumes são uma
armadilha”. Sthefane aquiesce, mas diz dever respeito, que alguém tem
que ceder. Desfia, enfim, esses pretextos que algumas mulheres usam para
justificar submissão. Villa concorda com haver respeito, mas replica:
“Ninguém tem que ceder, só cabe combinar; e há um mínimo só meu que quer
ser respeitado”.
Costumes
Sthefane se agarrava no contrário, ainda
que Villa falasse: “Se você age conforme certos costumes, você será os
certos costumes; a vida tem outras coisas a se viver, nem que se as
invente”. Nada. Ela queria estar nas regras mais costumeiras dos
costumes do seu lugar. E buscou um argumento antigo, desses de
desesperançar: o que ouvia era ideal, bonito, mas na prática não iria
funcionar.
Convicções são convicções
Villa se indignou: “Nada de idealismo, me
arredo do medíocre, busco o sensível, tento me fazer vontade de mim,
não me deixo levar”. E, meio vencido, completou: “Sthefane, você parece
pronta entre certezas, definições”. Sthefane, por igual, deu-se por
injuriada: “Não acredito que sejam costumes. São minhas convicções,
princípios em que acredito”. - Mas de onde vêm essas convicções? - Não
sei, mas é o que constitui a minha personalidade, o que adoto como
“caminho.”
Opiniões podem mudar
- Adota? Talvez, mas... olhe, as
circunstâncias, elas nos instilam as coisas. Não é simples lidar com
isso. Quero dizer: nós pensamos com o que está em nossa cabeça... o que
está na nossa cabeça veio do mundo; o pensamento seguinte, é como se
fosse o desdobramento do anterior... não é fácil sair do círculo
vicioso. - Acha que não sei pensar? - Todos sabemos. Não se trata de não
saber, mas de se estar avisado. É difícil a crítica de si próprio. - Em
algum momento, temos que formar nossas opiniões, fixá-las, ter algo em
que acreditar. -Olha, opiniões, crenças... há que tê-las, mas há que
saber que são provisórias.
Fim de papo
Ambos seguramente entenderam: acabara a
conversa. Um certo silêncio, Sthefane pensou alto: “Tudo isso é muito
subjetivo”. Villa obrigou-se a responder: “Exatamente, mas a nossa
subjetividade é constituída pelas circunstâncias em que vivemos; se não
nos cuidamos, reproduzimos essas circunstâncias, acabamos cativos
delas”.
Cada um muda se quer!
Então, já depois do fim, Sthefane ainda
falou: “Olha, não quero mudar nada, só quero ser feliz do jeito que sou,
e eu decido se quero mudança”. Villa, distraído, rematou: “Eu minto que
tenho um primo, o Guimarães. Ele conta que um cara disse que pra ter
coragem de buscar veredas novas só temos que temer o próprio medo, e que
o medo agarra a gente é pelo enraizado. Bem, você decide se quer
mudar”.
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